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Advogado, Membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ, Jornalista, Consultor de Políticas Públicas e Gestor em Segurança, Cursou Psicologia Jurídica na UERJ, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino - Buenos Aires – ARG; Oficial da Reserva do Exército.

1 de julho de 2009

Poder da influência - Vítimas de alienação parental podem buscar reparação

Poder da influência
Vítimas de alienação parental podem buscar reparação
Por Paulo Roberto Tocci Klein


Embora já conhecida do Judiciário, a alienação parental ainda é pouco divulgada, mas muito comum nas separações de casais. Alienação parental ou “síndrome da alienação parental” ocorre quando um dos cônjuges, durante ou depois da separação, influencia os filhos contra o outro cônjuge, através de anos ou décadas de verdadeira programação de crianças, ainda na tenra idade. Normalmente praticado pelas genitoras, mas também pelos pais e avós, tanto maternos quanto paternos, os reflexos dessa enfermidade podem se estender por toda uma existência, conforme relatos de vários profissionais da psicologia e psiquiatria.
De fato, há casos em que os pais são excluídos ou alienados do convívio dos filhos por décadas, única e exclusivamente em razão de uma irresponsável conduta das mães, que, não raras vezes, causam traumas muitas vezes irreversíveis. Os tribunais brasileiros, em inúmeros pronunciamentos, têm tratado dessa questão sob o enfoque do direito de família, mais precisamente acerca da guarda dos filhos e/ou regime de visitas, chegando, inclusive, a destituir o poder familiar, e entregar a crianças para instituições especializadas, pois o objetivo é sempre salvaguardar a integridade do menor. Basta haver indícios da prática da alienação parental, para que as decisões judiciais adotem providências específicas.
Há notícias sobre projetos de lei objetivando caracterização criminal dessa prática nefasta, justamente para tentar coibi-la. Entretanto, como há grande sofrimento emocional de pais e filhos, bem como gravosos reflexos psicológicos, inclusive com necessidade de adoção de procedimentos médicos/psicológicos dispendiosos, de longa duração e desfecho imprevisível, os quais atingem até a capacidade laboral dos envolvidos, é perfeitamente cabível a reparação pecuniária, através da indenização pelos danos materiais e morais daí decorrentes. A Constituição Federal em vigor, de forma expressa, confere proteção à criança e ao adolescente, bem como prevê expressamente a viabilidade de indenização por danos materiais e morais.
Por isso, tanto os filhos, quando se dão conta de que foram vítimas, quanto os pais que foram alienados do convívio com seus filhos, podem buscar no Judiciário alguma reparação, considerando os danos materiais como tratamentos médicos psicológicos, ou prejuízos como perda de emprego. Já os danos morais, são inexoráveis, eis que o efeito dessa separação, segundo psicólogos e médicos psiquiatras, de sorte que merecem reparação.


* Paulo Roberto Tocci Klein é advogado do escritório Mesquita Pereira, Marcelino Almeida Esteves Advogados.

Fonte: Site da Revista Consultor Jurídico, 30 de junho de 2009

24 de junho de 2009

Nobre profissão

Requerer em juízo é a maior das prerrogativas da advocacia

POR FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, ministro aposentado do STJ e membro da Comissão
Especial do Quinto Constitucional da OAB Nacional


O advogado exerce a nobre profissão de defender o interesse jurídico de seu semelhante. Na Roma antiga, o advocatus era o parente ou amigo do acusado que o defendia em Juízo. Era o patrono, o orador.
Ulpiano, no Digesto, assim definia o jus postulandi: “postulare este desiderium suum vel amici in jure apud eum qui jurisdictione praest, exponere vel alterius desiderio contradicere” (Postular é expor seu desejo ou o do amigo, em direito, perante aquele que goza de jurisdição ou contradizer o desejo de outrem.)
Foi na França, em 1327, que o Rei Felipe estabeleceu, em ordenança, que só os inscritos nas quadros da ordem (corporação), após aprendizagem, poderiam advogar.
No Brasil, criada a Ordem dos Advogados pelo Decreto n. 19.408, de 18.10.1930, somente os legalmente inscritos podem advogar, a teor do que dispunham o Decreto n. 20.784, de 19.12.1931, com vigência a partir de março 1933 (Decreto nº. 22.266, de 28.12.1932); a lei n. 4.215, de 27.04.1963; e estabelece a lei n. 8.906/94, o vigente Estatuto da Advocacia.
“A relação entre a parte ou quem a represente, e o seu defensor, é de mandato com representação”( Liebman, in Manual de Direito processual Civil, n. 45, pág. 97 ).
Clóvis Bevilaqua ensina que “o contrato de advogado constituído para a defesa de uma causa participa da natureza do mandato e da prestação de serviço, em intima conexão”.
Figura indispensável à administração da Justiça (art. 133 CF), “a porte será representada em Juízo por advogado legalmente habilitado” (art. 37, 1ª parte, do CPC), atua nos autos em nome do cliente, exercitando o mandato conferido, por procuração.
Defensor imprescindível dos interesses jurídicos dos cidadãos no processo judicial, o advogado sobrevive graças á remuneração auferida pelos relevantes serviços prestados. A capacidade de requerer em juízo, o jus postulandi, é a maior das prerrogativas da advocacia. O advogado, exercendo o mandato, atua, através de procuração, em nome do constituinte, na defesa da liberdade e dos seus interesses jurídicos materiais e morais.
No seu ministério privado, o advogado presta serviço público, constituindo, com os juizes e membros do Ministério, elemento indispensável à administração da Justiça, como instituía o art. 68 da Lei 4.215/63 e proclama o art. 133 da Constituição.Trata-se, pois, de figura indispensável do processo judicial, exercendo, na lide, a defesa do seu cliente. A remuneração do advogado, o primeiro dos seus direitos, como a dos profissionais liberais, denomina-se “honorários”, que podem ser contratados, arbitrados ou fixados em sentença, por força da sucumbência.
A lei vigente pôs fim à controvérsia que lavrava na doutrina e na jurisprudência quanto á titularidade dos honorários de sucumbência. Afirmavam renomados juristas que pertenciam ao cliente vitorioso na lide, pois se justificariam como ressarcimento à parte pelos ônus despendidos para a defesa do seu legítimo interesse jurídico.
Interpretavam, então, literalmente o disposto no art. 20 do CPC, não obstante a Lei 4.215/63 afirmasse o “direito autônomo” dos advogados sobre tais honorários.
A Lei 8.906/94 veio dissipar todas as dúvidas sérias a respeito do tema, positivando, peremptoriamente, nos seus artigos 22 e 23:
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
E no art. 24 e parágrafos o Estatuto da Advocacia assegura ao advogado a execução dos honorários:
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1º. A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. § 2º. Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais;
§ 4º. O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária,salvo a aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.
O Pretório Excelso, por suas 1ª e 2ª Turmas, assentou a jurisprudência positivando a natureza jurídica de contraprestação alimentar dos honorários advocatícios de qualquer espécie ( RREE ns. 146.318-0/SP(2ªT.), 170.220-6/SP(2ªT.) e 470.407-2/DF(1ªT.) ).
O STJ, de igual modo, pacificou a sua jurisprudência proclamando a natureza alimentar dos honorários de sucumbência, como se pode observar nos ERESP nº 706.331 /PR ( CE ); nº 724.158 /PR ( CE ), 854.535 /RS ( 1ª S. ), e inúmeros julgados das Seções e Turmas.
E o fez também com apoio nos artigos 19, § único, I. da Lei nº 11.033/04, e 649, IV, do CPC, que incisivamente estabelecem:
Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. (Vide ADIN 3.453-7)
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:
I - aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º desteartigo;(CPC – Redação da Lei nº 11.382/06)
No direito brasileiro temos, pois, como verdade dogmática, que os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado, e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos.
Não há, pois, como negar a propriedade do advogado sobre os honorários de sucumbência.

A SUCUMBÊNCIA
O princípio processual da sucumbência, a disttrazione italiana, foiinserido no art. 20 do CPC, que dispõe:
“Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.”
A norma é imperativa – condenará. Ao juiz não resta senão estabelecer o quantum dos honorários devido ao advogado, dentro dos parâmetros instituídos nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 20.
A princípio, a jurisprudência condicionou a condenação nos honorários de sucumbência a requerimento formulado pela parte. A Súmula 256 do STF, porém, proclamou a desnecessidade de pedido expresso para a condenação nos honorários de sucumbência:
Súmula 256 STF - É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil.
Temos, então, que pertencem ao advogado os honorários de sucumbência, a cujo pagamento o Juiz, na sentença, condenará o vencido. Duas são as premissas inafastáveis ao silogismo:
O advogado é titular do direito patrimonial aos honorários de sucumbência, cujo pagamento o Juiz deverá impor ao vencido, haja ou não pedido expresso formulado nos autos.
Poderá ocorrer, porém, que o Juiz, embora obrigado a condenar o vencido ao pagamento da verba honorária, não o faça.
Perguntar-se-á: quem poderá recorrer contra a omissão?
YOUSSEF CAHALI, o maior tratadista sobre a matéria , dilucidando sobre a autonomia do direito do advogado, ratificada pelo art. 23 da Lei 8.906/94, afirma a sua legitimidade para recorrer, em nome próprio :
“Mas também, referindo-se agora que tais honorários pertencem ao advogado, impende reconhecer que este encontra-se agora investido de legitimidade, também para recorrer, em nome próprio, da sentença proferida em favor do cliente, na parte referente aos honorários da sucumbência, seja no caso de ter sido negada a verba, seja igualmente no caso de ter sido esta fixada em quantia irrisória, ou desconforme ás regras do art. 20,§§ 3º e 4º, do CPC” ( In “Honorários advocatícios”, 3ª ed. RT, pág. 809 ).
Vale notar que, nos autos da ação originária, o advogado atua em nome do cliente, mas a sentença, como ensina CHIOVENDA, faz nascer em seu favor o direito à verba honorária, o que assegura o direito de recorrer também em nome próprio.
Mas a autonomia do direito do advogado aos honorários não impede a execução da sentença em nome do cliente. É, aliás, dever do advogado fazê-lo, na hipótese de permanecer exercendo o mandato. Investido, pela sentença, do direito á percepção dos honorários de sucumbência, instaurar-se-ia, na execução da sentença proferida na ação originária, um litisconsórcio entre o constituinte e o advogado, como esclarece CAHALI:
“Com a titularidade do direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma, na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios.”( Id .id pág. 804)
“Com esta inserção do advogado no pólo da relação executória, na parte referente aos honorários da sucumbência, sem a necessária ou concomitante exclusão do vencedor titular do todo da condenação principal, permite-se reconhecer agora, na hipótese, mesmo por analogia, o estabelecimento de um litisconsórcio facultativo entre o advogado e o cliente, fundado na solidariedade ativa que entre ambos se configura, na parte referente aos honorários da sucumbência, respeitado sempre o direito autônomo do advogado a tais honorários que lhe pertencem” ( Aut. Ob. Cit. id. Pág. 805 ).
Após afirmar que o advogado é credor da parte vencida por força do disposto no art. 23 do Estatuto, Candido Dinamarco positiva:
“A segunda das disposições contidas no art. 23, consistente na afirmação do direito autônomo para executar a sentença nessa parte, é de natureza processual e conceitua-se como norma concessiva de legitimidade ad causam ativa. Tal direito autônomo outra coisa não é senão a legitimidade para promover aquela execução(CPC, art. 3º). É
uma legitimidade ordinária, não extraordinária, porque o profissional que promove aquela execução está a atuar em nome próprio, por um interesse próprio e não alheio. Essa é uma projeção do primeiro dos preceitos contidos no art. 23 porque obviamente, sendo ele próprio o credor e não o constituinte, o que vier a pedir será pedido para si e não para outrem” ( Candido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, 4ª ed. M. t. I, pág. 692).
Não mais permanecendo como patrono do cliente, o advogado terá direitoa requerer o arbitramento dos seus honorários. Mas, se o substabelecimento ou revogação da procuração ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, os honorários da sucumbência lhe pertencerão, e deverá, na hipótese, promover a execução em seu próprio nome.

A COISA JULGADA
Transitada a sentença em julgado, temos formada a eficácia imutável e indiscutível, com força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
Ora, é indiscutível que uma das questões imperativamente decididas será, sempre, em todas as ações ajuizadas perante o Estado (salvo a exceção em que se admite a defesa pela própria parte), a relativa á sucumbência, com a condenação impositiva do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios.
Temos, então, que haverá sempre, na coisa julgada, a declaração de direitos: o reconhecimento da pretensão do Autor, se procedente a ação, ou, a negação do direito reclamado, caso improcedente a ação; e, em qualquer hipótese, procedente ou não a ação, a condenação do vencido ao pagamento dos honorários de sucumbência, devidos ao advogado do vencedor, de natureza remuneratória alimentar, como já assentaram o STF e o STJ (RREE 470.407 e ERESP 706.331), pacificando a jurisprudência nacional, em consonância com o art. 22 e seguintes da Lei 8906/94, art. 19, § único, I, da Lei 11.0033/04, e art. 649, IV, do CPC, acrescentado pela Lei 11.382/06.

AÇÃO RESCISÓRIA
Pontes de Miranda no seu “Tratado das Ações” classifica a ação rescisória como de natureza constitutiva negativa, positivando que “na ação rescisória há julgamento de julgamento. É, pois, processo sobre novo processo.Nela, e por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em julgado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue. É remédio jurídico processual autônomo. O seu objeto é a própria sentença rescindenda – porque ataca a coisa julgada formal de tal sentença – a sententia lata et data. Retenha-se o enunciado: ataque a coisa julgada formal.” (Autor – ob. cit. Tomo IV, edt. RT, 1973, pág. 499)
Continuando a ensinar, diz o mestre que “exercida a pretensão à rescisão e rescindida a sentença ultima-se o juízo rescindente”, para concluir; “A sentença na ação rescisória, quanto ao juízo rescindente, rompe, cinde a sentença; havia sentença; não há mais.” (Aut. Ob. cit. pág. 509).
Barbosa Moreira, comentando o art. 485 do CPC, afirma que “enquanto não rescindida, apesar de defeituosa, a sentença tem força que normalmente teria, e produz os efeitos que normalmente produziria, se nenhum vício contivesse”, referindo a comentário do mestre Pontes de Miranda, em pé de página nº 151: “A eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível” (In Coment. ao CPC, vol. V, 4ª ed. Forense, pág. 131).
A sentença rescindível, vale dizer, a coisa julgada, permanece eficaz enquanto não rescindida. E como estabelece o art. 24 da Lei 8906/94, é título executivo, podendo processar-se a execução dos honorários nos mesmos autos da ação ou em outro processo próprio.
Assim, temos como verdades assentadas que a sentença condenará o vencido, ao pagamento de honorários de sucumbência; que pertencem ao advogado do vencedor na lide; que a coisa julgada rescindível manterá eficácia enquanto não for rescindida; que o capitulo condenatório da sentença é título executivo, de propriedade do advogado; que a verba honorária é remuneratória alimentar e é absolutamente impenhorável (art. 649, IV, do CPC).

Citação necessária
Titular de direito líquido e certo constituído pela coisa julgada, poderá sofrer o advogado ameaça ao seu patrimônio sem ser citado para integrar a lide rescisória?
No Estado democrático de Direito da República do Brasil:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV CF); “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI CF); “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV CF); “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”(art. 5º, LV CF).
Dúvidas não podem restar quanto a titularidade do direito do advogado aos honorários de sucumbência constituído pela coisa julga ex vi legis.
Direito material conferido pela sentença rescindenda, poderá ser ameaçado, aniquilado, desconstituído pela sentença a ser proferida na ação rescisória sem que ao advogado, titular de direito substantivo executável, seja dada oportunidade de defesa? Poderá o causídico perder seu patrimônio, a contraprestação do seu trabalho de natureza alimentar, sem ser chamado à lide para exercer o contraditório?
A “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender” (art. 213 do CPC) e “para a validade de processo é indispensável a citação inicial do réu” (art. 214 do CPC).
No direito brasileiro, a falta de citação do réu ou interessado, importa nulidade do processo (... art. 245, § único c/c art. 248 CPC).
CÂNDIDO DINAMARCO, no seu livro Instituições de Direito Processual Civil, acentua que “a citação tem importância de primeiríssima grandeza no sistema do processo civil, porque dela depende estritamente a efetividade da garantia constitucional do contraditório”.
E não pode caber na cabeça de ninguém possa alguém ser ameaçado ou privado de seus bens sem o devido processo legal, de que são corolários o contraditório e a ampla defesa.
Aferram-se, porém, alguns na interpretação literal do art. 487 do CPC, negando ao advogado a condição de litisconsorte necessário na lide rescisória. Dizem que o advogado não seria parte na ação originária e, por isso, não poderia figurar na lide rescisória. Raciocinam, ainda, esclerosadamente, sob o enfoque de que a sucumbência teria o caráter de ressarcimento, pertencente a verba honorária ao cliente vencedor da lide.
Data venia, na vigência da Lei nº 8.906/94, o raciocínio é caduco, não resiste ao simples confronto com as leis vigentes e com a jurisprudência pacífica do STF e do STJ, uníssonas no proclamar a natureza remuneratória e alimentar dos honorários.
Os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e a condenação do vencido constitui um dos capítulos necessários de toda e qualquer sentença, inclusive na de improcedência da ação.
O direito constituído pela sentença, o capítulo da coisa julgada que o inseriu na esfera jurídica do advogado vitorioso, não poderá ser anulado sem que o titular dele seja chamado à lide rescisória.
O advogado é, sim, litisconsorte necessário do cliente. A coisa julgada que lhe conferiu o direito não poderá ser rescindida sem que sejam, ambos, citados para a ação rescisória, de modo a que possam, de per si, em nome próprio, exercer o contraditório e a ampla defesa. Outra não pode ser a conclusão lógica face aos termos dos art. 46, II de 47 do CPC, que valem transcritos:
“Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
(...)
II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.”
O capítulo condenatório da sentença em honorários de sucumbência estará sempre imbrincado ao direito da parte vitoriosa, seja ou não procedente a ação ou procedente em parte, como enuncia a Súmula 306 do STJ:
Súmula 306: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado á execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.”
Pertencendo ao advogado os honorários da sucumbência, é indubitável que a sentença o faz integrante da lide desde a ação originária, com direito patrimonial próprio, autônomo, executável. Credor de honorários conferidos pela coisa julgada ex-vi-legis, o advogado tem legitimo e indiscutível interesse jurídico a defender na ação rescisória. O seu direito não poderá ser ameaçado ou desconstituído sem a sua presença na lide rescisória para exercer o imprescindível exercício do contraditório e da ampla defesa.
O Professor Frederico Marques, no seu “Manual de Direito Processual Civil”, ensina:
“Legitimado passivo, na ação rescisória, é aquele em favor de quem foi proferida a sentença passada em julgado, bem como seu sucessor a título universal ou singular”.
O Ministro Luiz Fux, renomado processualista, positiva que “o processo tem que ter a participação de todos aqueles em relação aos quais a sentença vai influir na esfera jurídica”.
Por óbvio, a pretensão rescisória poderá restringir-se a vício contido no capítulo da sentença condenatória relativo aos honorários de sucumbência. Na hipótese, indiscutível a legitimação ad causam do advogado. O saudoso Ministro Coqueijo Costa já a afirmava na vigência da Lei 4.215:
“Na rescisória, proposta pela parte condenada na ação originária, indevida ou irregularmente, em honorários advocatícios, o réu legitimamente passivo é o advogado, já que o crédito de tal parcela sentencial lhe pertence de direito, autorizando-o a mover ação de execução independente para cobrar a verba honorária, ou, se for o caso, pedir precatório expedido em seu nome. É o que dessume da Lei 4.215, de 27.04.63 “( Aut. Ob. Cit. 7ª ed, revista e atualizada pelo jurista Gustavo Lanat Pedreira de Cerqueira, que em nota ao item 94, reafirma a lição face á Lei 8.906/94 )
O eminente Ministro Claúdio Santos, festejado processualista, em artigo intitulado “O advogado credor de honorários na sentença e a ação rescisória”, assinalou:
“O direito material disciplinado em lei(Estatuto da Advocacia), ou seja, a titularidade dos honorários, e surgido na sentença, entretanto, somente pode ser atingido, através da desconstituição daquela sentença, se presente o verdadeiro interessado na verba
honorária, o seu proprietário, tanto mais que transitada em julgado a sentença, surgida a coisa julgada , torna-se imutável e indiscutível. Portanto a ação rescisória com o objetivo de rescindir a sentença, no concernente á sucumbência, como no caso, importa em ameaça de desfalque ao patrimônio do advogado, o que torna imperativa sua
indispensável presença no processo, como parte. Se assim não se entender, inafastável é a idéia de estar-se diante de uma espécie de litisconsórcio necessário, por força dos vínculos de direito material antes demonstrados, decorrentes da lei (Estatuto da Advocacia) ou mesmo da natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC).
Daí a decisão proferida na ação rescisória contra a parte, necessariamente, deveria ser uniforme em relação àquela e ao verdadeiro titular dos honorários, o advogado, o que não é possível por não terem sido estes citados ou chamados para integrar o pólo passivo da ação rescisória” ( Aut. Ob.Cit. publ. in Revista de Direito Renovar n. 13, págs. 15 e 20, jan/abril de 1999).
Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, no “Curso de Direito Processual Civil”, embora classificando o advogado como terceiro na ação rescisória, positivam:
“Merece consideração especial a possibilidade de que seja legitimado para integrar o pólo passivo da ação rescisória terceiro que não integrou a relação processual da ação matriz. Essa possibilidade depende diretamente do pedido deduzido no juízo rescisório.
A possibilidade acima referida relaciona-se perfeitamente com o caso de uma ação rescisória que objetiva exclusivamente a desconstituição do capítulo da sentença reservado á condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. O advogado da parte do processo originário, á época um terceiro, apresenta-se, nessa oportunidade, na posição de parte da relação jurídica material que está sendo objeto da discussão em sede de rescisória. Assim, parece claro que essa ação rescisória trata de questão de interesse somente do advogado e não mais de seu cliente/representado, o que torna imprescindível a participação daquele na relação processual estabelecida.
Enfim, a legitimidade passiva na ação rescisória deve observar o capitulo da decisão que se busca rescindir, para identificar quem é o titular atual do direito ali certificado, que será a parte legitima nessa ação autônoma de impugnação”( Aut. ob. Cit. 3º v. pág. 258 )
Há quem defenda a tese de que o crédito aos honorários advocatícios só poderá ser rescindido se houver pedido explicito de rescisão dessa parte do julgado, por isso que corresponde tal verba á contraprestação de serviços profissionais prestados na ação originaria. Penso que não, embora não afaste a possibilidade de rediscutir a tese. É que,
nascendo com a sentença o direito aos honorários de sucumbência, uma vez anulada, cessarão os seus efeitos. Por certo se os vícios da sentença disserem respeito apenas ao capitulo dos honorários, será o advogado credor o legitimado para responder á ação rescisória. Mas, se o objeto da ação for a rescisão integral da sentença, todos os
direitos por ela constituídos estarão ameaçados de aniquilamento, inclusive o direito aos honorários devidos por uma sucumbência submetida a anulação.
São vários os precedentes jurisprudências de ações rescisórias propostas contra advogados, valendo transcritas as suas ementas:
“AÇÃO RESCISÓRIA LIMITADA A VERBA HONORÁRIA. ESTANDO O ADVOGADO,CONFORME A LEI ESPECIAL, LEGITIMADO PARA COBRAR A VERBA HONORÁRIA, HAVENDO PRETENSÃO RESCISÓRIA QUE BUSCA EXATAMENTE A REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS É ELE LEGITIMADO PASSIVAMENTE” ( Ação rescisória nº598470615 – Rel. Des. Cezar Tasso Gomes, Rel. p/acórdão Bayard Ney deFreitas Barcellos, 6º Grupo de Cam. Cíveis do TJ/RS, julgado em 24.II..2000 ).
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – HONORÁRIOS EM MANDADO DE SEGURANÇA – ADVOGADOS – LEGITIMIDADE PASSIVA – VIOLAÇÃO DE LITERAL
DISPOSIÇÃO DA LEI – QUESTÃO DIRIMIDA PELA JURISPRUDÊNCIA – INOCORRÊNCIA – JURISPRUDÊNCIA. Considerando que, embora não titularesda causa, os advogados do vencedor são os destinatários dos honorários deferidos pela sucumbência, tendo, inclusive, legitimidade para, na forma autônoma executar dita verba, podem e devem eles figurar no pólo passivo da rescisória onde o que se busca é exatamente desvalidar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios” ( Ação rescisória nº 1.0000.04.409417-5/000(I)-Rel.Des. Moreira Diniz, 7º Grupo de Câmaras Cíveis do TJ/MG, publ. Em 24.II.2006)
.E não são poucos os feitos em que o cliente e o advogado são chamados à lide escisória, com se pode observar no AR 3219-RS, julgada pela 2ª Seção do STJ:
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.219 - RS (2004/0173585-6)
RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO CASTRO FILHO
REVISORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AUTOR : BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADO : ORIVAL GRAHL E OUTRO(S)
RÉU : MARSIAJ OLIVEIRA INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS
LTDA - MASSA FALIDA
REPR.POR : OTÁVIO AUGUSTO FONTOURA - SÍNDICO
RÉU : PAULO MARSIAJ OLIVEIRA
RÉU : PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA
RÉU : JOSÉ AUGUSTO GOMES MARTINS
RÉU : MARTHA BECK OLIVEIRA MARTINS
RÉU : MYRIAN LAIS CUNHA BECK DE OLIVEIRA
RÉU : OSWALDO SÉRGIO DA CUNHA BECK - ESPÓLIO
REPR.POR : OSWALDO SÉRGIO FERREIRA BECK
RÉU : CECI FERREIRA BECK - ESPÓLIO
REPR.POR : PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA
LITIS. : FERNANDO CHAGAS CARVALHO NETO E OUTRO
ADVOGADOS : PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE
SILAS NUNES GOULART
EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO.
DESCABIMENTO.
A ação rescisória não é sucedâneo de recurso não interposto no momento apropriado, nem se destina a corrigir eventual injustiça de decisão. Constitui demanda de natureza excepcional, de sorte que seus pressupostos devem ser observados com rigor, sob pena de ser transformada em espécie de recurso ordinário para rever decisão já ao
abrigo da coisa julgada. Pedido rescisório improcedente. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
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Superior Tribunal de Justiça
Acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, após divergência inaugurada pelo Ministro Castro Filho, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler julgar improcedente a Ação Rescisória, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a Seção, por maioria, julgar improcedente a Ação Rescisória, vencidos o Sr. Ministro Relator e a Sra. Ministra Nancy Andrighi, que a julgavam procedente, em parte.
Quanto aos honorários advocatícios, a Seção, por maioria, fixou-os em 10 % sobre o valor da causa, vencidos, no ponto, os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Castro Filho. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa e Cesar Asfor Rocha (art. 162, § 2º, RISTJ). Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília, 14 de fevereiro de 2007.(Data do Julgamento)
MINISTRO CASTRO FILHO
Redator p/ acórdão
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Tem curso perante o Terceiro Grupo Cível da Comarca de Porto Alegre a ação rescisória registrada sob nº 70023973654, proposta contra as partes originais e seus advogados pela Central Distribuição de Alimentos Ltda., representada pelos ilustres advogados e renomados processualistas Adroaldo Furtado Fabrício, Athos Gusmão Carneiro, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Jorge A.A. do Amaral. Dentre os advogados citados para responder a ação figura o jurisconsulto Sergio
Bermudes. Enfim, na ação rescisória devem figurar todos os titulares de direitos constituídos pela coisa julgada, cuja esfera jurídica seja ameaçada de desconstituição. É a lição dos mais eminentes processualistas brasileiros, consagrada pela jurisprudência dos tribunais.

CONCLUSÃO
Não é possível, no direito brasileiro, negar ao advogado a defesa do seu patrimônio constituído pela coisa julgada, em contraprestação dos relevantes e imprescindíveis serviços profissionais prestados na lide originária. Vigente a Constituição e o sistema legal democraticamente instituídos, não é possível imaginar possa alguém ser destituído de direito conferido pela coisa julgada sem ser chamado à lide rescisória para exercer as prerrogativas universais do contraditório e da ampla defesa, consoante o devido processo legal. O advogado credor de honorários de sucumbência será sempre litisconsorte necessário da parte Ré na ação rescisória para defender o direito material inserido na sua esfera jurídica pessoal pela coisa julgada. E se não for citado para dela participar, não poderá ser impedido o seu ingresso na lide, sob pena de nulidade do processo rescisório,pois no direito brasileiro, ninguém poderá ser ameaçado ou perder os seus direitos sem o devido processo legal, dentre os quais o contraditório e a ampla defesa ( art. 5º, incisos XXXV, XXXVI, LIV e LV ), pilares fundamentais do processo e da cidadania.

Fonte : Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2009
http://www.conjur.com.br/2009-jun-23/capacidade-requerer-juizo-maior-prerrogativas-advocacia

8 de junho de 2009

15 de maio de 2009

Réu, sem ser advogado, não pode advogar em causa própria

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não acolheu o pedido de um réu para que pudesse advogar em causa própria. O acusado não é bacharel em Direito. Para a relatora, ministra Laurita Vaz, embora não seja exigida capacidade postulatória para determinados atos processuais na esfera penal, como no caso da impetração de habeas corpus, tal possibilidade não se estende à defesa do réu na ação penal, uma vez que o direito de defesa é indisponível. No STJ, o réu recorreu de decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba que entendeu não ser o habeas corpus o meio próprio para discutir “questões pertinentes a patrocínio de defesa técnico-processual, ou, muito menos, de insatisfações de natureza meramente procedimental.” Para isso, alegou ilegalidade praticada pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Campina Grande (PB), que negou a possibilidade de ele fazer a sua própria defesa. Ressaltou que, mesmo não sendo bacharel em Direito, possui conhecimentos jurídicos suficientes para o pleno exercício de sua defesa. No seu voto, a ministra Laurita Vaz afirmou que o Código de Processo Penal dispõe expressamente que o réu somente terá direito de defender a si mesmo, excepcionadas as hipóteses previstas em lei, “caso tenha habilitação”, o que não é o caso de Albuquerque. A relatora destacou, ainda, que não ocorre ofensa à Convenção Americana de Direitos Humanos, que garante ao réu a possibilidade de exercer pessoalmente sua defesa, na medida em que tal prerrogativa lhe é assegurada pelo ordenamento jurídico pátrio em todos os atos do processo, mas que somente pode ser exercida de forma complementar à defesa técnica, e não como regra, de forma exclusiva.
Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

14 de maio de 2009

Atentado violento ao pudor é consumado quando há contato físico

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ocorrência de atentado violento ao pudor consumado, ainda que o agressor tenha sido impedido de prosseguir na prática do ato por fatores alheios a sua vontade. A decisão foi da Quinta Turma e seguiu o voto da ministra Laurita Vaz em um recurso movido pelo Ministério Público de São Paulo. O agressor foi condenado inicialmente a oito anos e nove meses de reclusão. De acordo com a sentença, ele cometeu o crime contra sua própria filha, à época com seis anos. Ao chegar a casa, o pai tirou a sua roupa e a da criança, deitou sobre a menina, beijou-a na boca e colocou a mão em sua genitália. Somente teria sido impedido de continuar a agressão porque a mãe, que dormia no mesmo quarto, acordou e chamou a polícia. A defesa do agressor apelou, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) desqualificou o crime admitindo a ocorrência apenas de tentativa de atentado violento ao pudor. Uma vez reconhecida a tentativa, aplicou-se o redutor de dois terços, e a pena acabou reduzida para dois anos e meio de reclusão. O Ministério Público estadual recorreu ao STJ. A relatora, ministra Laurita Vaz, reconheceu que a caracterização de tentativa ao crime de atentado violento ao pudor é questão controvertida. No entanto, a ministra constatou que tanto a denúncia quanto a sentença descrevem minuciosamente o ato de modo a caracterizar o crime na forma consumada. Uma vez havendo o contato físico, é incabível reconhecer a tentativa, afirmou a ministra. De acordo com a relatora, para a consumação do atentado violento ao pudor, pressupõe-se que o agressor, mediante violência ou grave ameaça, obrigue alguém a praticar ou permitir que se pratique “ato lascivo”, sendo necessária a existência de contato físico entre autor e vítima para a configuração do crime. Com a decisão, a pena foi fixada em sete anos e seis meses.
Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

DECISÃO
Ação negatória de paternidade pode ser proposta a qualquer tempo

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento de que a ação negatória de paternidade é imprescritível, ou seja, pode ser proposta a qualquer tempo. Esse tipo de ação tem o objetivo de reverter a paternidade reconhecida voluntariamente pelo autor. A confirmação da tese que já vinha sendo adotada em outros processos apreciados pelo STJ ocorreu no julgamento de um recurso especial interposto por G.N. No recurso, ele pedia a reforma da decisão anterior do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que reconhecera o direito de seu pai de contestar, a qualquer tempo, a paternidade por meio da ação negatória. Informações constantes nos autos do processo relatam que G.N. nasceu durante o período em que sua mãe era casada com J.M. Este afirma que, à época do nascimento da criança, desconfiou que ela não era seu filho. Apesar disso, decidiu registrá-lo. No entanto, afirma ele, pouco tempo depois de dar à luz a criança, a mãe abandonou a casa onde o casal morava para viver com um amante. No recurso endereçado ao STJ, a defesa de G.N. alegou que a decisão do TJSP que afastou a prescrição da ação negatória violou o artigo 178, parágrafo 2º, do Código Civil de 1916. A norma dispõe que o prazo para o pai contestar a legimitidade do filho é de dois meses contados a partir do nascimento da criança. A defesa também argumentou que a regra prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 27), que garante a imprescritibilidade da ação investigatória de paternidade, não poderia ser utilizada em favor de J.M. já que foi elaborada com o intuito de proteger não os pais, mas o direito dos menores de saber, a qualquer tempo, de quem são filhos. Sem acolher as alegações da defesa de G.N., o relator do recurso no STJ, ministro Aldir Passarinho, recordou que o Tribunal fixou a compreensão de que a ação negatória de paternidade, a exemplo da investigatória, não está mais sujeita à prescrição. No entendimento do ministro e dos demais integrantes da Quarta Turma, o pai pode, sem prazo limite, contestar a paternidade de um filho. Mencionando vários precedentes do STJ (REsp 278.845 – MG e 155.681 – PR), o relator também ressaltou, no voto proferido no julgamento, que esse direito, o de investigar o estado de filiação, está hoje expresso no artigo 1.601 do novo Código Civil. A Quarta Turma não apreciou o mérito do recurso, que não foi conhecido pelo colegiado.
Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ


Vaticano publicará pedido de divórcio de Henrique VIII

O Arquivo Secreto do Vaticano anunciou que irá publicar cópias da carta de 1530 em que nobres e religiosos ingleses pedem ao papa para anular o casamento do rei inglês Henrique VIII com Catarina de Aragão para que ele pudesse se casar com Ana Bolena.
O documento original, arquivado no Vaticano com o nome de "Causa Anglica - O atribulado caso matrimonial de Henrique VIII", contribuiu para desencadear o cisma entre a Igreja Anglicana e a Igreja Católica.
O original e um fac-símile, a partir do qual serão feitas outras cópias, foram apresentados para a imprensa na última terça-feira, na sede do Arquivo Secreto do Vaticano.
O lançamento oficial das cópias do documento está marcado para o dia 24 de junho, durante as comemorações dos 500 anos da ascensão de Henrique VIII ao trono da Inglaterra.
O texto é considerado uma das páginas fundamentais da história inglesa. Nele, 85 nobres e religiosos ingleses se dirigem ao papa Clemente VII pedindo a anulação do casamento do rei com Catarina de Aragão, a primeira das seis esposas de Henrique 8°.
Para se casar com Catarina, o rei da Inglaterra, que subiu ao trono em 1509, já tinha pedido uma autorização especial do pontífice, porque ela era viúva de seu irmão.
CópiasA primeira cópia da carta vai ser dada ao papa Bento XVI, que deve visitar a Inglaterra até o final do ano. As demais publicações serão vendidos a museus, institutos de cultura e colecionadores privados.
Os interessados deverão desembolsar cerca de R$ 130 mil para comprar uma das cópias e, provavelmente, comprometer-se a expô-la a um público mais amplo.
Até agora, o documento podia ser visto apenas por chefes de Estado ou outras autoridades em visita oficial ao Vaticano.Segundo o diretor do Arquivo Secreto do Vaticano, monsenhor Sergio Pagano, o dinheiro arrecadado com as vendas vai ser usado para restaurar parte do acervo da instituição, um dos mais ricos do mundo.
CismaA carta ao papa foi redigida em duas cópias, ambas assinadas pelos nobres e religiosos com os tradicionais lacres. Uma delas está no Arquivo Secreto Vaticano e a outra no arquivo Nacional de Kew, na Inglaterra.
Um trecho do documento, publicado pela imprensa italiana, mostra que os nobres ingleses já previam a possibilidade de que uma resposta negativa do papa pudesse agravar a situação já delicada da Igreja Católica na Inglaterra.
"Mas se (o papa) não quiser fazê-lo (anular o casamento de Henrique 8º), menosprezando as exigências dos ingleses, eles se sentiriam autorizados a resolver a questão sozinhos e procurariam soluções em outro lugar. A causa do rei é a causa deles. Se (o papa) não intervir ou demorar a agir, a condição deles se tornará mais grave, mas não irresoluta: os remédios extremos são sempre os mais desagradáveis. Mas o doente quer sobretudo sarar", diz o documento.
O cisma entre os anglicanos e a Igreja Católica ocorreria quatro anos mais tarde, em 1534.
ConservaçãoSegundo os técnicos da editora que vai publicar as cópias para a Santa Sé, o texto de propriedade do Vaticano está em excelentes condições."No pergaminho (do Vaticano) estão pendurados lacres magnificamente conservados, enquanto o documento que ficou na Inglaterra está em estado de conservação precário. Em algumas partes chega a ser ilegível e não há nenhum lacre", diz um comunicado da editora.
O pergaminho com os 85 lacres, emoldurados em metal e unidos por uma fita de algodão e seda de 40 metros de comprimento, pesa 2,5 kg.
Arquivo secretoNo Arquivo Secreto Vaticano, criado em 1610, são conservados mais de 2 milhões de documentos relativos a 800 anos de história, em um espaço de 85 km de prateleiras.Usado sobretudo pelo papa e pela Cúria romana, o arquivo secreto foi aberto aos estudiosos e pesquisadores a partir de 1881.
Além de documentos sobre a história cristã, o arquivo possui importante material sobre a história dos vários países.

Fonte: BBC Brasil


12 de maio de 2009

Direito de escolher
Lei Maria da Penha não prevê ação incondicionada
Por José Ronemberg Travassos da Silva, juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco, professor universtário, mestrando pela UNICAP, graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), especialista em Direito Processual Civil Lato Sensu pela FADIC.

1. Considerações iniciais e delimitação do tema proposto
Em 7 de agosto de 2006, com suporte na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, realizada na cidade de Belém do Pará no ano de 1994[1], foi sancionada a Lei federal 11.340[2], conhecida popularmente pelo nome de Lei Maria da Penha, cuja norma disciplinada em seu artigo 16 é objeto de estudo no presente trabalho.
Sob tal denominação feminina, pretendeu-se homenagear a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes que, por conta de uma das várias agressões físicas — no caso, a última delas — que lhe foram desferidas por seu ex-marido, ficou paraplégica.
Tal acontecimento criminoso, por sua vez, ganhou repercussão internacional ao ser levado ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), obrigando o Brasil, por conseguinte — como um dos subscritores da citada Convenção de Belém do Pará —, a adotar normas mais enérgicas no combate e prevenção à violência em desfavor da mulher[3], surgindo, daí, o supracitado diploma legal de proteção de gênero[4].
É por meio do referido instrumento normativo, portanto, que o legislador doméstico — cumprindo não apenas a sua obrigação de integrante da OEA, mas, sobretudo, a sua missão constitucional de criar mecanismos que coíbam a violência do âmbito das relações familiares (CR, § 8º do art. 226) — pretende erradicar ou, pelo menos, reduzir todas as formas de violência doméstica e familiar praticadas em desfavor da mulher[5], por meio da institucionalização de regras especiais cujas aplicações, como sabido, têm repercutido — e muito — nas várias esferas de proteção estatal, com maior relevo no campo do Direito Penal.
Ditas normas específicas, contudo, têm sofrido as mais diversas críticas tanto da doutrina como da jurisprudência nacionais, no que diz respeito à sua aplicabilidade e, principalmente, à sua validade no ordenamento jurídico, diante de vários princípios constitucionais garantidores de direitos fundamentais, notadamente o da igualdade dos integrantes da entidade familiar (CR, art. 226).
Entrementes, levando em conta os limites estreitos deste paper, é de se consignar, a propósito, que nele não se discutirá tais embates acadêmicos em torno da constitucionalidade das referidas normas especiais — em que pesem algumas delas estejam intrinsecamente ligadas ao tema proposto —, mas, tão-somente, frise-se, a interpretação dogmática, pelos métodos sistemático e teleológico, da regra processual inserida no seu artigo 16, que disciplina a possibilidade de retratação da representação apresentada pela ofendida, com as suas conseqüências legais e jurídicas.
2. Exigência de que a Ação Penal seja pública condicionada à representação
Antes, porém, de adentrar-se em dita análise interpretativo-dogmática propriamente dita, faz-se necessário trazer a lume — para uma melhor e adequada compreensão do que, adiante, será objeto de debate —, os conceitos dos elementos constitutivos da norma em apreço.
Nesse propósito, avulta-se, de logo, que — para fins de incidência do disposto no artigo 16 da Lei federal 11.340/2006 — a ação deverá ser pública condicionada à representação.
Com esse foco inicial, indaga-se: o que se deve entender, então, por ação pública condicionada à representação?
Em resposta sucinta — mas, esclareça-se, bastante precisa e suficiente para o desenvolvimento deste artigo — assevera Fernando Capez, com a sua lucidez peculiar, que dita ação — considerada pública pela teoria subjetiva, porquanto ajuizada, via de regra, por um órgão público, isto é, pelo Ministério Público — “É aquela cujo exercício se subordina a uma condição”.[6]
E tal condição — acrescenta o referido jurista paulistano, como fundamento para o seu conceito — “[...] tanto pode ser a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal (representação), como também a requisição do Ministro da Justiça”.[7]
3. Conceito de representação e seu procedimento formal
Nesse contexto normativo, destaca-se, portanto, a representação, uma vez que o corpo da regra em comento, de forma induvidosa, a ela se reporta como elemento intrínseco à validade tanto do inquérito policial como da Ação Penal.
E não poderia ser diferente, em se tratando, como efetivamente se trata — na expressão do jurista Julio Fabbrini Mirabete — de “[...] um pedido-autorização em que o interessado manifesta o desejo de que seja proposta a Ação Penal Pública e, portanto, como medida preliminar, o inquérito policial”[8], sendo ela, por isso mesmo, considerada pela doutrina nacional como uma autêntica condição objetiva de procedibilidade da Ação Penal.
É que, como sabido, para exercer o seu direito de ação, deve o ofendido — pessoalmente ou por intermédio do seu representante legal (CPP, art. 24) — apresentar, por escrito ou oralmente a sua intenção em ver o seu ofensor investigado, processado e julgado na forma da lei (CP, caput e §§ 1º e 2º do art. 39).
Sendo oral essa representação — e, malgrado o entendimento de que ela não exige forma sacramental, devendo conter, porém, todas as informações que possam destinar-se à apuração do fato e da sua autoria[9] — cabe à autoridade a quem ela foi apresentada, tomá-la por termo, de maneira a documentá-la para evitar dúvidas futuras quanto à supracitada intenção da vítima (CPP, § 2º do art. 39).
Dessa forma, o Ministério Público, na condição de titular da Ação Penal, só poderá a ela dar início se a vítima ou, então, o seu representante legal — que, inclusive, poder ser um procurador com poderes especiais (CPP, caput do art. 39) — o autorizar, por meio da noticiada manifestação de vontade exercida dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que se esgotar o prazo para oferecimento da peça acusatória, isto é, da denúncia (CPP, art. 38; CP, art. 103).
E assim há de ser entendido porque — ainda de acordo com preclara lição de Fernando Capez, falando por todos que compartilham desse lúcido entendimento — “[...] o crime afeta tão profundamente a esfera íntima do indivíduo, que a lei, a despeito de sua gravidade, respeita a vontade daquele, evitando, assim, que o strepitus judicii (escândalo do processo) se torne um mal maior para o ofendido do que a imputação dos responsáveis”[10]; como sói acontecer, via de regra, nos casos de violência doméstica e familiar.
4. Síntese do instituto da retratação e o momento procedimental adequado para sua apresentação
Dita manifestação espontânea de vontade do ofendido, por sua vez, só admite retratação antes do oferecimento da denúncia (CPP, art. 25; CP, art. 102).
Logo, uma vez feita a representação — e desde que ainda não tenha havido o recebimento da peça acusatória — nada impede que a vítima possa retratar-se, demonstrando, assim, o seu desejo de não mais pretender a instauração do processo contra o seu desafeto.
Contudo, em se tratando de representação nos procedimentos relativos aos crimes de lesão corporal leve e culposa, tal dispositivo de lei processual tem sido mitigado, admitindo-se a retratação da vítima durante o curso do processo — isto, depois de ofertada e recebida a denúncia —, como se constata da simples leitura do artigo 79 da Lei federal 9.099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, e, de maneira particular, do ora destacado artigo 16 da Lei federal 11.340/2006, quando expressa em seu corpo, in verbis:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Vê-se, portanto, que, a partir da vigência da Lei Maria da Penha, as normas contempladas pelos já citados artigos 25 do CPP e 102 do CP passaram a merecer uma releitura levando em conta que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passou a ser admitida mesmo depois de ofertada a denúncia, sendo essa prática, por conseguinte — repita-se mais uma vez —, clara exceção às regras estabelecidas naqueles dispositivos de lei.
Quer dizer: o que antes era uma regra absoluta no ordenamento jurídico brasileiro passou a ser relativa, a depender, pois, da espécie do fato criminoso.
E dessa forma deve ser compreendido porque o referido artigo 16 — como bem articulado por Maria Berenice Dias, valendo-se, para tanto, de lição de Eduardo Luiz Santos Cabette — “[...] não pode conduzir à equivocada interpretação de que desde o procedimento policial até o oferecimento da denúncia, a polícia e o Ministério Público agiriam de ofício, prescindindo da manifestação da ofendida”.[11]
Do contrário — segundo ainda acrescenta a referida jurista gaúcha — “Tal levaria ao absurdo de se concluir que a manifestação da ofendida, no sentido de não representar, não produziria efeito, pois a vítima somente poderia abrir mão desse direito perante o juiz em audiência.”[12]
É bem verdade que o mencionado dispositivo de lei fala de renúncia e, não, de retratação à representação, como se tais institutos jurídicos fossem sinônimos. Mas, como de sabença, não são.
Com efeito, a renúncia — na sempre lembrada lição de Maria Helena Diniz — é o “Ato voluntário pelo qual alguém abre mão de alguma coisa ou direito próprio”[13], ao passo que a retratação — também na concepção da referida jurista paulistana — consiste no “Ato pelo qual, antes da pronúncia da sentença, o ofensor publicadamente desdiz declaração comprometedora por ele feita, satisfazendo o ofendido”.[14]
Diante de tais preclaros conceitos, resta induvidoso de que, no texto do artigo 16, houve sim uma evidente impropriedade técnica do legislador — para não dizer um manifesto descaso com a redação técnico-jurídica da norma —, uma vez que, por ocasião da audiência ali prevista — e ainda levando em conta o disposto no inciso n, I do artigo 12, também da Lei federal 11.340/2006 — o direito da representação já fora exercido pela vítima desde a abertura do inquérito policial (CPP, § 4º do art. 5º), sendo equivocado, pois, falar-se em renúncia de um direito que já se encontra legítimo, regular e legalmente exercitado no caso concreto.[15]
De fato, renunciar quer dizer, numa expressão, não exercer o direito de representação e, sem tal declaração de vontade do ofendido, não haverá a instauração de inquérito policial e, por tabela, a possibilidade de o Ministério Público oferecer denúncia.
Logo, na hipótese da regra em comentário, não há que se falar em renúncia, mas, sim, em retratação ou até mesmo desistência, quando ali se permite que a ofendida volte atrás no seu desejo de representação do agressor feito anteriormente à autoridade policial, desde que assim o faça — frise-se mais uma vez — pessoalmente ou, então, por procurador constituído com poder especial para dita finalidade (CPP, caput do art. 39).
Em sendo verbal essa sua manifestação de vontade contrária ao prosseguimento do processo — que, diga-se de passagem, também poderá ser feita diante do chefe de secretaria do Juízo, na hipótese do inquérito policial já ter sido distribuído à vara competente —, ela será tomada por termo, ou até mesmo por certidão lavrada no próprio autuado e, em seguida, encaminhada ao magistrado que, ato contínuo, designará audiência de ratificação, no curso da qual a vítima, na presença da referida autoridade judiciária e do Ministério Público, deverá reafirmar a sua vontade negativa, anteriormente expressada na delegacia ou na secretaria da vara, em não mais pretender processar o seu agressor.
E o intento do legislador doméstico com dita exigência formal — muito embora, enfatize-se, a representação seja considerada um ato informal — foi o de verificar se a retratação da vítima expressaria, de forma plena, inequívoca e segura, a sua liberdade de manifestação, isto é, que ela não foi feita sob qualquer espécie de coação por parte do seu agressor ou de terceiros interessados na sua impunidade, preservando-se, assim, a finalidade legal do referido instituto jurídico, que é servir de instrumento de conciliação, ou melhor, de medida despenalizadora[16], e, não, de constrangimento para ela, ofendida.
Uma vez confirmada pela vítima essa sua intenção extrajudicial, o juiz homologará o respectivo pedido de desistência e, por tabela, declarará, mediante sentença, a extinção da punibilidade do fato, sem a necessidade de prévia notificação do agressor ou de seu defensor constituído, sendo certo que, em tal ocasião, ainda não existe ação penal e, pois, não há falar em resguardo dos princípios da ampla defesa e do contraditório (CR, inciso n. LV do art. 5º).
Ainda que o agressor, por oportunidade da realização da citada audiência, já se encontre na condição de indiciado e, também, assistido no inquérito por advogado legalmente constituído, não se fará necessária a notificação de nenhum deles para, querendo, comparecerem a dito ato processual confirmatório da retratação.[17]
E assim deve ser entendido porque, tanto as suas notificações prévias como as suas presenças na citada audiência não terá qualquer utilidade teórica e, muito menos, prática. Tanto é assim que a norma em pauta não fez essa exigência expressa, como, por exemplo, sói acontecer no caso do artigo 81 da Lei 9.099/95, ao estabelecer que, antes de receber a denúncia, cabe ao juiz oferecer oportunidade à defesa técnica do agressor para responder à acusação.
De mais a mais, o direito de retratação é exclusivo da vítima e, por isso mesmo, apenas a ela ou — conforme já anotado acima — ao seu representante legal, cabe o seu exercício, razão por que de tal ato não existe recurso. As presenças do ofensor e do seu defensor — ainda que espontâneas — apenas poderão servir para, no mínimo, causar constrangimento à pessoa da vítima, já não fosse bastante o seu comparecimento em Juízo para tratar de assunto que diz respeito à intimidade de sua família.[18]
Idênticos procedimentos — vale o registro — também poderão ser levados a efeito em sede de quaisquer das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha, como bem anotado por Maria Berenice Dias em lição cujo excerto adiante se segue transcrito, in verbis:
A retratação pode ocorrer na audiência realizada no procedimento de medida protetiva. Feito acordo sobre as questões familiares, revelando a vítima que não tem mais interesse na representação, será conduzida a outro local, ou o agressor deve ser afastado do recinto. Além do juiz estará presente a vítima, seu defensor e o representante do Ministério Público. Homologada a desistência, será comunicada a autoridade policial para que arquive o inquérito, eis ter ocorrido a extinção da punibilidade (C, art. 107, VI). Se o inquérito policial já tiver sido remetido ao juízo, a renúncia só pode ser aceita até o recebimento da denúncia.[19]
Registre-se, enfim, que a ausência injustificada da vítima à audiência em tela, apesar de devida e regularmente intimada — o que, diga-se de passagem, não é raro ocorrer na prática forense —, também demonstrará que ela, em princípio, não mais tem interesse na possível punição do seu agressor, constituindo essa sua atitude inusitada, assim, retratação tácita, não mais justificando o prosseguimento da medida punitiva.
5. Especialidade da Ação Penal nos crimes de lesão corporal dolosa leve praticados contra a mulher, em sede de violência doméstica: pública condicionada à representação
Há quem entenda, no entanto, que, mesmo diante da retratação da vítima, o Ministério Público deverá oferecer denúncia em desfavor do agressor, uma vez que — segundo alega-se[20] — a partir da vigência da nova lei, a Ação Penal nos crimes de crimes de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) e culposa (§ 6º) praticados contra a mulher tornou-se pública incondicionada, não mais reclamando, pois, a prévia representação da vítima.
E essa discussão, recentemente, ganhou novo fôlego com a decisão proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Habeas Corpus 96.992-DF — que, anote-se, não foi unânime e, muito menos, teve a participação de todos os ministros titulares — de cujo voto-vista, ali proferido, extrai-se a conclusão de que o parágrafos 9º, acrescentado ao artigo 129 do CP pela Lei Maria da Penha, é forma de violência doméstica e familiar em desfavor da mulher e, portanto, hipótese de Ação Pública Incondicionada, uma vez que o referido diploma legal, em seu artigo 41, vedou expressamente o emprego da Lei federal 9.099/95, in verbis: "Aos crimes praticados com violência e grave ameaça contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.”[21]
Em que pese essa douta fundamentação, o entendimento que, em tais casos, deve prevalecer é, diametricalmente, em sentido contrário.
É que a vedação prevista no citado artigo 41, é de natureza genérica, relativa, cingindo-se, apenas, ao rito procedimental e aos benefícios despenalizadores incutidos na Lei dos Juizados Especiais, tais como: a composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo, estando alheia à autonomia volitiva da vítima.
Logo, fazendo a interpretação sistemática e teleológica, ora proposta, da Lei federal 11.340/2005, com o objetivo de harmonizar a regra estabelecida em seu artigo 41 com a norma específica esboçada em seu inciso I do artigo 12 chega-se à conclusão de que o legislador brasileiro não dispensou a representação nos crimes de lesão corporal.
Muito pelo contrário, reforçou a possibilidade de atuação da vítima mulher na punição do seu cônjuge ou companheiro agressor, ao estabelecer a oportunidade dela exercer ou não o seu direito de prosseguir com a medida judicial punitiva.
E tanto assim deve ser compreendido que, em seu artigo 16, a própria Lei Maria da Penha permitiu a designação de audiência especial, com a finalidade exclusiva de a vítima poder se retratar, desta feita, cercada de garantias como a presença do Juiz e a oitiva do Ministério Público.
Bem por isso, o entendimento de Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha no sentido de que, nos casos de violência doméstica e familiar, deve-se “[...] aguardar a consciente manifestação de vontade da vítima, pois, na esmagadora maioria das vezes, se percebe rápida reconciliação entre os envolvidos, servindo o processo penal apenas para perturbar a paz familiar, quando a finalidade do aplicador da lei deve ser, sempre, a preservação da família, restaurando a harmonia no lar”.[22]
Essa oportunidade de a ofendida requerer o prosseguimento ou não da medida judicial atende ao seu direito íntimo, sendo certo que — como já se frisou acima — muitas vezes o desgaste advindo de um processo pode vir a superar os sofrimentos acarretados pela própria violência em si perpetrada.
Em idêntica linha de raciocínio tem sido a doutrina majoritária, conforme se constata do elucidativo texto de Julio Fabbrini Mirabeti e Renato N. Fabbrini cuja fração adiante se segue transcrita, in verbis:
Tratando-se de lesão corporal leve, ainda que o crime seja qualificado pela violência doméstica (§ 9º) e constitua forma de violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos da lei especial, a Ação Penal depende de representação das vítimas e é possível a suspensão condicional do processo, por força do disposto nos artigos 88 e 89 da Lei 9.099/95, deve-se observar que os referidos dispositivos têm caráter geral e não guardam vinculação com o conceito de infração de menor potencial ofensivo, com a competência dos Juizados Especiais Criminais ou com o procedimento sumaríssimo, matéria disciplinadas nesse estatuto em normas que, entendeu o legislador, seriam incompatíveis com a sistemática diferenciada adotada no novo diploma legal.[23]
E os tribunais nacionais, também em sua maioria esmagadora, não têm discrepado dessa perspicaz compreensão interpretativa, como se observa, por exemplo, dos vv. acórdãos cujas Ementas adiante se seguem transcritas, in verbis:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO — LEI 11.340/06 — NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA — RETRATAÇÃO DA VÍTIMA — POSSIBILIDADE. A Lei 11.340/2006, no que se refere à ofensa à incolumidade física e à saúde da mulher quando provocada no ambiente doméstico ou familiar, não teve a intenção de alterar o princípio do artigo 88 da Lei 9.099/95, de que a Ação Penal por crime de lesão corporal leve é pública condicionada à representação. Vê-se que a retratação ocorreu, antes do recebimento da denúncia na presença do Ministério Público, portanto, dentro dos trâmites legais.[24]
EMENTA: LESÃO CORPORAL LEVE. REPRESENTAÇÃO. LEI MARIA DA PENHA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. APELAÇÃO. A Lei 11.340/2006, ao afastar a aplicabilidade da Lei 9.099/95 nos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, deve ser interpretada de forma a permitir que a exigência da representação da ofendida, no caso de lesões corporais leves, como exigido em seu artigo 88, permanece reforçada apenas com as garantias estabelecidas no artigo 16 da Lei Maria da Penha. É assim condicionada à representação da ofendida a Ação Penal decorrente de violência doméstica ou familiar da qual resulte lesão corporal leve. Recurso Ministerial desacolhido.[25]
Por isso, não resta dúvida de que o legislador ao editar a Lei 11.340/2006 não pretendeu transformar em pública incondicionada as ações penais por crimes de lesão corporal simples (CP, art. 129, caput) e de lesão culposa (§ 6º) cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.
Entender-se de forma adversa seria — para dizer-se o menos, na esteira do bom senso crítico — ir de encontro a toda uma tendência brasileira da admissão de um Direito Penal de intervenção mínima e dela subtrair meios de restauração da paz, principalmente no seio da família.
Sob esse contexto fático, e em bem apanhado artigo sobre a matéria, diz Fernando Célio de Brito Nogueira, in verbis:
Condicionar a persecução penal à manifestação de vontade da vítima e medida de política criminal inerente à tradição de nosso processo penal e que por vezes servira para resguardar valores que não podem ser esquecidos no âmbito da família, como a busca da harmonia no lar e de superação efetiva de situações em que houve violência em qualquer de suas formas. Trata-se de permitir à vítima que exerça a faculdade de colocar ‘pá de cal’ em determinados casos em que a continuidade da persecução criminal serviria apenas para conturbar ainda mais o ambiente doméstico e atrapalhar eventuais propósitos de reconciliação. Entender de forma diversa, tendo tais infrações penais como de ação penal incondicionada, iria de encontro a tais propósitos e na contramão das tendências de nosso processo penal. Não é isso o que quis a lei. Se o legislador pretendesse abolir a representação nos casos em que a lei prevê referida condição de procedibilidade.[26]
Se a paz familiar não puder ser restabelecida depois da retratação feita pela ofendida — advindo, daí, portanto, um dos poucos fundamentos em defesa da Ação Pública Incondicionada, nas hipóteses de violência doméstica contra a mulher —, que a vítima faça uso das medidas judiciais de proteção ao seu alcance, estabelecidas na própria Lei Maria da Penha, dentre as quais, e em especial, a retirada do agressor de dentro da residência familiar, procedimento que, além de ser eficiente no combate e na prevenção da violência doméstica, pode encurtar, sobremodo, as distâncias entre ela, ofendida, e a Justiça.
6. Conclusão
De tudo o que acima foi exposto e discutido, em breves linhas — adequadas, portanto, para o estudo tencionado —, chega-se à conclusão de que, mesmo diante da norma inserta no artigo 41 da Lei federal 11.340/2006, nos casos de violência doméstica permanece como sendo pública condicionada à representação a ação penal nos crimes de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) e culposa (§ 6º), podendo, assim, haver retratação da ofendida, nos moldes estabelecidos pelo art. 16 daquele mesmo diploma legal, advindo, como conseqüência, a sua homologação judicial e, ato contínuo, a extinção da punibilidade do fato cuja autoria por ela fora imputado ao seu agressor.
7. Referências bibliográficas
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Artigo da Internet
NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Artigos. Disponível em: < id=" 8821">. Acesso em: 13 set. 2008.
Lei e decreto
BRASIL. Lei federal n. 10.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em 08 set. 2008.
BRASIL. Decreto n. 1.973 de 27 de novembro de 1995. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/decreto/1996/D 1973.htm. Acesso em 08 set. 2008.
[1] Por isso mesmo, também chamada de “Convenção de Belém do Pará”, sendo adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 06 de junho de 1994 e, posteriormente, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 1.973 de 27 de novembro de 1995. Disponível em . Acesso em 08 set. 2008.
[2] De se registrar, a propósito, que a sua vigência ocorreu na data de 21 de setembro de 2006, isto é, 45 dias depois de sua publicação na imprensa oficial, conforme disposto em seu art. 46.
[3] Confira-se, a propósito, a regra estabelecida no item 3 do art. 7º da referida Convenção, cujo teor é o seguinte, in verbis: “Os Estados-partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em: [...] 3. Incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outras natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar medidas administrativas apropriadas que venham ao caso. [...].”
[4] É oportuna a anotação de que, ainda amparado nos princípios idealizadores da referida Convenção, e bem antes da Lei Maria da Penha, o legislador brasileiro também publicou a Lei federal n. 10.778 de 24 de novembro de 2003, estabelecendo a notificação compulsória, em todo território nacional, dos casos de violência contra a mulher que fosse atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Foram tais dados estatísticos, aliás, que deram sustentação à necessidade de aprovar-se a Lei federal n. 11.340/2006, ora em comento.
[5] Há quem defenda, inclusive, que o homem também poderá ser vítima de violência doméstica e familiar e, portanto, se encontra amparado pela Lei Maria da Penha. Nesse sentido, confira-se a lição de Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha vazada nos seguintes termos, in verbis: “A Lei 11.340/2006 extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (vítima própria), no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade (art. 5º). Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão. Nós queremos deduzir, com isso, que apenas a mulher é potencial vítima de violência doméstica. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9º do art. 129 do CP, quando não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. O que a Lei Especial restringe são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida (vitima mulher). In: Direito Penal: parte especial. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 3. p. 51 (rodapé).
[6] In: Curso de Processo Penal. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 109.
[7] In: op. cit., p. 109.
[8] In: Processo Penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1997. P. 86.
[9] Cf., por todos, GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P. 86-87.
[10] In: op. cit., p. 109.
[11] In: A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 114.
[12] In: op. cit., p. 114. No mesmo sentido, e também fazendo uso dos ensinamentos de Eduardo Luiz Santos Cabette, cf. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P.110.
[13] In: Dicionário jurídico. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 160.
[14] In: op. cit., p. 231.
[15] Nesse mesmo sentido, por todos, cf. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 109.
[16] Isso que – na sempre invocada observação de Vicente de Paulo Vicente de Azevedo –, em tais hipóteses “[...] pode constituir um mal maior o escândalo causado pela publicação, pela divulgação do fato, o strepitum fori, do que o mal propriamente do crime”. In: Curso de direito judiciário penal. Apud TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 125.
[17] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 874.
[18] Nesse sentido, por todos, cf. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 112-113.
[19] In: op. cit., p. 115.
[20] Cf., por todos, CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.203-214.
[21] Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus n. 96.992-DF (2007/0301158-9). Impetrante: José Alfredo Gaze de França. Impetrado: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Relatora: Ministra Jane Silva (desembargadora convocada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais). Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200703011589&PV= 010000000000&tp=51>. Acesso em: 11 set. 2008.
[22] In: Direito Penal: parte especial. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 3. p. 54.
[23] In: Manual de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 2007, v. 2. p. 90.
[24] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado das Minas Gerais. Recurso em sentido estrito n. 1.0024.07.592023-1/001(1). Recorrente: Ministério Público. Recorrido: Cláudio dos Reis Rodrigues. Relator: Desembargador Paulo Cézar Dias. Belo Horizonte, 20 de maio de 2008. Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2008.
[25] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso em sentido estrito n. 700. Recorrente: Ministério Público. Recorrido: Vairan Lima. Relator: Desembargador Vladimir Giacomuzzi. Porto alegre, 8 de maio de 2008. Disponível em: . Acesso em 11 set. 2008.
[26] In: Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Artigos. Disponível em: < id=" 8821">. Acesso em: 13 set. 2008.
Espaço seguro
Distância mínima é aplicável em diversas hipóteses

Por Eduardo César Fidelis Bechepeche e Maurício Morimoto Doi
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), vigente desde o final de 2006, trouxe um instituto do direito americano para o âmbito do nosso ordenamento jurídico. Trata-se da possibilidade de o juiz estabelecer uma distância mínima, como medida de urgência e proteção à mulher, a ser guardada pelo agressor em relação à vítima.
Muito se discute quanto à constitucionalidade de tal lei, haja vista que o mesmo não poderia ser estatuído para o homem agredido, apesar de haver precedente nesse sentido, em Mato Grosso, no qual o Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá aplicou por analogia a Lei 11.340/06. Assim, ficou a mulher proibida de se aproximar a menos de 500 metros de seu ex-marido.
Longe de se querer discutir se há compatibilidade ou não constitucional dessa lei, em virtude do princípio da isonomia, quer-se trazer sugestão da incorporação do instituto da distância mínima ao universo do direito brasileiro. Isso porque em vários outros casos que nada têm a ver com violência praticada no âmbito do lar, mostra-se salutar estabeceler um limite físico entre pessoas que correm risco de dano à sua incolumidade física. Isso se dá, por exemplo, no caso de testemunha presencial de homicídio e o beneficiário de delação premiada em organizações criminosas (promovendo a melhor colheita da prova pela maior proteção à testemunha), vítimas de ameaça (tanto homens como mulher, independentemente de relação doméstica) e, ao alvedrio do bom senso que norteia a prestação jurisdicional, toda vez que houvesse o risco justificado de violência e efetividade no estabelecimento da distância mínima.
Tantas são as opções em que pode a fixação de uma distância mínima ajudar na paz social que, como exemplo, dá-se o de um magistrado norte-americano, em eleições, determinando quanto metros deveriam ficar as pessoas de filas de quem votaria, com o fim de evitar pressões e assédio. Com isso, defendeu-se a liberdade política do eleitor. Mais conhecidos são os exemplos de violência ou possibilidade desta entre pessoas que não coabitam e às vezes nem sequer se conhecem — a atriz estadunidense Kirsten Durnst já teve estabelecida distância mínima de um fã para com ela, por tentativa de invasão de seu domicílio pelo admirador e a alegação deste de que teriam “ligação espiritual”. Claro está o risco que corre a atriz, bem como não existe liame com o Direito de Família.
No Brasil, haveria progresso nos Juizados Especiais Criminais que, atualmente, são vistos por alguns como ineficazes para a pacificação social (decorrência da concessão de benefícios legais que levam à não aplicação da pena ao criminoso de menor potencial ofensivo, a exemplo das cestas básicas em transação penal). É comum haver progressão criminosa em razão do sentimento de impunidade, por pouco atingir o resultado do processo a vida rotineira do ofensor.Assim, reclama o direito brasileiro que seja o instituto da distância mínima estendido a outros de seus ramos, como forma inclusive de efetivação de direitos essenciais da pessoa humana, por se tratar de garantia à integridade física e mental. Seu isolamento na Lei Maria da Penha e um histórico de sucesso em seu uso demonstram que sua ampliação acrescentaria maior pacificação social.
[Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, de 11/5/2009]

11 de maio de 2009

Desrespeito econômico
Justiça impede abusos nos planos de saúde de idosos

Por Rafael Robba e Melissa Areal Pires
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suspendeu reajuste abusivo proporcionado pela Bradesco Saúde aos seus segurados. O reajuste representaria um acréscimo de 8,76% no valor da mensalidade. Não são raras as situações em que o Judiciário tem se posicionado a favor do consumidor de serviços de saúde, no tocante a exorbitância na correção do valor dos prêmios.
Uma questão com que reiteradamente o Judiciário vem se deparando é o aumento da mensalidade na alteração da faixa etária dos beneficiários, especialmente daqueles que ultrapassam os 60 anos. Acontece que as empresas de plano e seguro saúde não estão respeitando as diretrizes impostas pela Lei 10.741/03, mais conhecida como Estatuto do Idoso. Esse diploma, em seu artigo 15, parágrafo 3º, estabelece que “é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.
Sabemos que com o avanço da idade torna-se mais incisivo o risco de adquirir doenças, ou os males congênitos se manifestam com mais incidência naqueles que já ultrapassaram os 60 anos. Devido a isso, é extremamente natural que o idoso utilize os serviços de seu plano com maior frequência.
Tal situação é ensejo para as seguradoras, inadmissivelmente, onerarem ainda mais seus clientes idosos, que, via de regra, contribuíram durante toda vida para seus planos e, no momento mais delicado, são preteridos pelas motivações econômicas.
Ou seja, a elevação desproporcional dos prêmios dos consumidores com idade avançada tem o intuito de obrigá-los a se descredenciarem de seus seguros-saúde. Quando isso ocorre, a condição de idoso torna-se óbice para que sejam aceitos por outra empresa e, mesmo quando conseguem, têm de cumprir um novo período de carência, que, em vista das necessidades que passam, parece ser eterno.
Felizmente, há disposições legais que logram demover essa atitude perniciosa. Por exemplo, com intuito de adaptar a Lei 9.656/08 — a Lei dos Planos de Saúde — ao Estatuto do Idoso, em 2003, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ao definir as faixas etárias obrigatórias às operadoras, por meio da Resolução Normativa 63/03, assim determinou:
Art. 2º Deverão ser adotadas dez faixas etárias, observando-se a seguinte tabela:
I - 0 (zero) a 18 (dezoito) anos;
II - 19 (dezenove) a 23 (vinte e três) anos;
III - 24 (vinte e quatro) a 28 (vinte e oito) anos;
IV - 29 (vinte e nove) a 33 (trinta e três) anos;
V - 34 (trinta e quatro) a 38 (trinta e oito) anos;
VI - 39 (trinta e nove) a 43 (quarenta e três) anos;
VII - 44 (quarenta e quatro) a 48 (quarenta e oito) anos;
VIII - 49 (quarenta e nove) a 53 (cinqüenta e três) anos;
IX - 54 (cinquenta e quatro) a 58 (cinqüenta e oito) anos;
X - 59 (cinquenta e nove) anos ou mais.
Ademais, as próprias diretrizes consumeristas versam sobre a questão, repudiando reajustes abusivos. De tal sorte que o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 51, por exemplo, prescreve que são nulas as cláusulas que colocam o consumidor em desvantagem abusiva ou que imponham restrições que descaracterizam o objeto contratual e, ainda, que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral”.
Nas relações de consumo, o idoso é duplamente vulnerável. Primeiramente, pelo arrefecimento de suas capacidades físicas e intelectuais, o que torna mais impraticável seu adequado discernimento para julgar a atividade negocial dos fornecedores. Logo, seu próprio estado carece de um maior cuidado, especialmente com relação aos serviços de saúde, dos quais é extremamente dependente, de tal modo que a omissão do fornecedor em atender um consumidor com idade avançada acarreta um dano muito maior ao esperado se em seu lugar estivesse um consumidor comum. Isso torna imprescindível uma especial prestação de serviços a esse tipo de consumidor e percebemos mais nitidamente quão grave e pernicioso esse comportamento das seguradoras, cobrando um prêmio descabido de seus consumidores com avançada idade.
Destarte, sempre sábio e oportuno erigir o que prega nossa Carta Magna, em cujo artigo 230 estão asseverados nossos deveres para com os idosos: Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Por fim, quem é segurado de plano de saúde deve atentar-se para as variações de prêmio por faixa etária, pois, não raras as vezes, estão viciadas, promovendo o rançoso desequilíbrio contratual, que, não menos raro, conseguem onerar, sobremaneira, o idoso, a ponto dele solicitar o descredenciamento de sua seguradora. Contudo, isso não precisa acontecer, porque a lei e a jurisprudência caminham a braços dados com as pessoas idosas para garantir-lhes a mais apropriada Justiça.
Fonte: