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Advogado, Membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ, Jornalista, Consultor de Políticas Públicas e Gestor em Segurança, Cursou Psicologia Jurídica na UERJ, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino - Buenos Aires – ARG; Oficial da Reserva do Exército.

28 de abril de 2009

Posição controversa

Defesa pela permanência de Sean é passional

Por Roberto Wanderley Nogueira
O ConJur noticia o seguinte: “O ministro da Secretaria dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, defendeu nesta quarta-feira (22/4), em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a permanência do menino Sean Bianchi Goldman com a família brasileira, desde que assegurada a visitação do pai biológico sempre que desejar” (http://www.conjur.com.br/2009-abr-22/ministro-paulo-vannuchi-defende-permanencia-menino-sean-brasil).
Custa acreditar que, à vista da avalancha de informações trazidas pela imprensa nacional e internacional a respeito do assunto, a Autoridade Central brasileira, assim definida pela Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, subscrita em Haia e de que o Brasil é Estado-parte, advogue agora uma tese no mínimo caleidoscópica para o desfecho de um episódio particularmente dramático e polvilhado de requintes dos mais diversos, a começar de um enredo que mais parece um folhetim para garantir o entretenimento dos incautos, dos xonófobos e dos curiosos.
Vou direto ao ponto: como Autoridade Central, o agente do Estado requisitado tem o dever de diligenciar, por si ou pela intervenção de agentes intermediários em que se inclui a própria Administração da Justiça — todavia, não necessariamente —, no sentido de fazer retornar, de imediato, o infante que porventura tenha sido subtraído de sua residência habitual no estrangeiro e/ou para lá sendo impedida retornar, fixando-se, por retenção ilegal, em território nacional, haja vista iniciativa de algum parente, geralmente um dos progenitores que intenta, ostensiva ou dissimuladamente, a alienação parental da pessoa do menor objetivado nessa conduta que o Direito Internacional cogita com severidade e com severidade o disciplina, impondo consequências bem definidas contra as quais não comporta divagação passional de nenhum tipo.
Toda a passionalidade envolvida na espécie já está suficientemente incluída no regimento da Norma Convencional, que também estabelece de modo exaustivo suas variáveis, não sendo o caso de se tropicalizar a demanda quando ela se dirija ao Estado brasileiro (requisitado).
Ora bem, se for mesmo um fato que o Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, por força de uma tal manifestação na Câmara dos Deputados, conspira contra os superiores intentos da Convenção de Haia a cujo respeito sua autoridade mais se dirige no sentido de sua promoção, fica evidente que ele deveria renunciar ao próprio cargo, porque a prevalecer sua palavra — esteja ou não o caso submetido à Administração da Justiça brasileira, sobreposta à Administração da Justiça do Estado requisitante (cooperação direta às inversas) —, parece evidente que o Estado brasileiro acabou de denunciar, unilateral e tacitamente, dita Convenção.
Afinal, é da Autoridade Central que se cogita. É de um órgão ligado diretamente à Presidência da República de um Estado-parte da Convenção de Haia que se está a referir com a dicção de explicar, por mais insólito que isso possa parecer à consciência jurídica, que em nossa pátria a tal Convenção não prevalece em razão de outros fundamentos que lhe são estranhos.
A prevalecer essa dicção, por outro lado, deve o governo brasileiro dirigir um memorando ao Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos, depositário da Avença Internacional em foco, no mesmo sentido e afastar-se, de imediato, do Concerto das Nações que lhe corporificam.
É, portanto, incompatível a permanência do atual ministro que exerce as funções de Autoridade Central no Brasil, à luz da Convenção de Haia, com a igual permanência do país no cenário desse mesmo pacto internacional.
É de se lembrar que o caso do menino americano não é o único com que se vem debatendo outros Estados igualmente requisitantes perante a Autoridade Central brasileira, objetivando o imediato retorno dos seus então residentes. Repete-se aqui a irrelevância de eventual argumento relacionado com a Teoria da Nacionalidade, porque para a Norma Convencional, ainda que polipátrida, o menor que residia em um determinado território nacional deve regressar de modo que ali sejam definidas as bases dos direitos de fundo sobre a sua guarda e outros aspectos de sua convivência parental.
Havia no passado recente da história política italiana, um prodigioso pensador chamado Leonardo Sciascia, que combatia o establischment justamente a partir de suas contradições e de suas ligações perigosas. Denunciava que o grotesco convivia perfeitamente com a formalidade, de modo que todos se dessem bem em seus exercícios prepotentes e vaidosos, nada obstante o comprometimento da ética dos valores tradicionais e das virtudes encartadas no sistema jurídico.
É evidente que os cenários macabros da história contemporânea do país mediterrâneo não podem ser simplesmente confundidos com a nossa própria realidade. No entanto, a verve latina que gerou tantas desafeições ao jurídico na contemporaneidade, a despeito da genial intuição para esse fenômeno de parte dos romanos da Antiguidade Clássica, é, seguramente, a mesma, lá como aqui, com uma defasagem de pelo menos cem anos.
O Brasil leva a vantagem histórica de poder saltar esse hiato do tempo político para uma atmosfera de plenitude democrática e de segurança jurídica sem ter de passar pelos horrores que a Itália vivenciou no passado.
Para isso, as instâncias do Poder Político no país precisam afinar o próprio discurso e encontrar coerência máxima entre o que diz e o que faz. Sem essa atitude, não será merecedor do respeito e da credibilidade dos povos, ainda que internamente o povaréu desinformado e ignaro possa ingenuamente aplaudi-lo.
* Roberto Wanderley Nogueira é juiz Federal em Recife, doutor em Direito Público e professor-adjunto Faculdade de Direito do Recife e da Universidade Católica de Pernambuco.